segunda-feira, 15 de março de 2010

Status quo e racismo

Há já algum tempo, em julho de 2009, Danilo Gentili postou no serviço de microblog Twitter a seguinte afirmação:
"Agora no TeleCine KingKong, um macaco q depois q vai p/ cidade e fica famoso pega 1 loira. Quem ele acha q e? Jogador de futebol?"

É fácil de imaginar que a polêmica se instaurou rapidamente. Houve aqueles que repudiaram o comentário, acusando seu autor de racista, e aqueles que pensaram ser o post sinônimo de liberdade de expressão.

Não sou negro, mas compreendo o sentimento de indignação de parte deles. Digo parte, pois, aparentemente, nem todos se sentiram ofendidos por causa do comentário.

Sustento a seguinte opinião: quando existe um grupo étnico, religioso, sexual etc. que é socialmente desfavorecido por sofrer alguma forma de discriminação, seja ela histórica ou atual, qualquer atitude que esboce alguma forma de segregação deve ser banida. Isso, pois pequenas ações, por mais insignificante que elas sejam, podem contribuir por manter o status quo periférico de tais grupos. Uma frase como a de Gentili pode ser considerada reacionária, sim, pois pelo menos alguém a percebeu dessa forma.

Além disso, qualquer comparação com outras situações pode descaracterizar o acontecimento completamente. Isto é: se eu, branco, falar que não me sentiria ofendido se alguém me comparasse a um urso polar e usasse tal afirmação para desqualificar o sentimento de ofensa de um negro, meu argumento seria absolutamente inválido. Isto, porque faço parte do grupo étnico mais favorecido da sociedade e uma ação que me diminua enquanto grupo não é igualmente eficaz. Evidentemente que nenhum grupo deva ser inferiorizado. Falo isso, apenas, pois muitos se valem dessa argüição para retirar o caráter vexatório de um comentário preconceituoso ou discriminador.

Dentro da mesma perspectiva, encontra-se uma explicação do porque, no Brasil, uma camiseta marcada com as palavras “orgulho negro” não é considerada racista, mas uma marcada com “orgulho branco” é. A população branca não necessita de auto-afirmação, pois já está estabelecida enquanto grupo dominante em um contexto social (entenda dominante como uma posição de destaque financeira, política, academicamente etc.). O grupo afro-descendente, por outro lado, é o outro lado da moeda. Compreenda-se que digo isso com um sentido bem estrito. Não julgo as causas da marginalização ou as políticas de ação afirmativa. Faço referência exclusivamente à situação periférica de alguns grupos, que pode ser objetivamente analisada.

Nota-se que fiz referência, no parágrafo anterior, a uma situação que ocorre no Brasil, pois a mudança de cenário pode subverter o parâmetro de racismo. Um grupo dominante em um cenário pode não o ser em outro. Exemplo disso é um indiano na África do Sul durante o regime do apartheid e um indiano em seu país de origem. No primeiro caso, o indiano faria parte do grupo marginalizado, no segundo, do grupo dominante.

Naturalmente, há muito mais do que se abordar sobre esse tema. Sem embargo, penso que os pontos colocados são suficientes para expor minha opinião sobre o assunto que originou o texto. A opinião de todos é bem-vinda.

3 comentários:

  1. A frase de Gentil1 não é somente uma afirmação racista ou preconceituosa, mas sim uma típica maneira hoje de fazer graça popular. Hoje o humor em grande parte de humoristas tanto brasileiros, quantos de outros países vem utilizado da generalização e o princípio de preconceitos para extrair risadas da população.
    Um exemplo aconteceu em um programa americano Late Show, onde o humorista Robin Williams utiliza um preconceito em cima da "fama" dos cariocas e fazem uma péssima piada de mau gosto.
    Segue o link do vídeo:http://www.youtube.com/watch?v=_eGuHbzpRvs

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  2. Comentário extremamente válido. O humor muitas vezes se utiliza desse artifício infeliz, o que é uma pena.

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  3. Bruno, concordo em parte com você. Uma das técnicas utilizadas pelos comediantes é expor o preconceito que a sociedade tem para, então, tentar reduzi-lo. Como afirmado por Molière, "ridendo castigat mores", ou seja, rindo se castigam os costumes, mesmo princípio utilizado no teatro de Gil Vicente. Assim, com certeza muitas pessoas debateram sobre o comentário do Gentili postado em seu twitter, ou seja, expondo um preconceito faz com que a sociedade discuta e reflita sobre ele. Se o Danilo Gentili não tivesse postado essa piada, por exemplo, não teríamos o seu excelente texto refletindo sobre a situação dos marginalizados por nossa sociedade. Abraços, Noé Filho.

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